a crise está em mim. a crise sou eu.










Wednesday, November 12, 2008

exterminem as borboletas

exterminem as borboletas.
acendam as luzes abram as janelas. procuro o céu. antes de qualquer outra coisa sou Homem. antes de qualquer actividade licenciatura ou profissão sou pintor. tenho uma Natureza dentro de mim. tenho esta Natureza dentro de mim. não tenho idade tenho vida. crescimento. cresco aqui. neste metro quadrado de quarto. numa poça lamacenta que reflecte o degrau grego do Parténon. no horizonte nunca perto no deserto de Skagen. cresco no banco do autocarro. porque não? estou vivo e cresco. estou vivo e cresco ininterruptamente. o acontecimento está em mim. o que estiver à minha volta, está. influencia. estou a estudar, cresco também na faculdade. passo alegrias e frustrações. apaixono-me. "sou maior" ou "adulto"? não. sou livre. sou livre e descubro-me. procuro o ser Humano e o Mundo. procuro a criação. a força da dor e do prazer, do sorriso e do corpo. não rejeito a solidão. um mundo inteiro à minha volta, entre nós há um espaço vazio. tem de haver sempre uma distância. há um interstício oculto que me separa do mundo e me possibilita senti-lo. poro. respiro. não sei o que se passa. não tenho a certeza desse espaço. às vezes parecemos sufocar com a pressão do mundo lá fora. no meio dessa pressão e da amálgama de ideias e sensações que nos surgem com a velocidade cósmica interior e se dissipam, de repente, com a mesma velocidade indizível. e há toda uma série de sinergias que atrofiam e nos consomem aos poucos. e aos poucos ganham uma dimensão física e o corpo apercebe-se suportar o peso do mundo. a carne contrai-se. a temperatura sobe. a tensão coze o espírito. a identidade evapora-se. o ser debilita-se mas resiste. mais membro menos membro, mais força menos força, um pé projecta-se sobre o outro. há dias em que se ergue e ensaia a pose, avança para um pedaço ao sol mas o sangue goteja e pauta o rasto. eu só queria adormecer na relva. mas as pessoas em volta não param para se calar.

alguém dessa ponta do Universo que pegue nas armas e extermine as borboletas.
nessa ponta do Universo elas insinuam levemente as asas para nesta ponta do Universo os cataclismos se sucederem brutalmente e explodirem.

alguém que as desfolhe uma a uma, cada asa, por favor.







nesta ponta do Universo estou eu.



1 comment:

Tiago Azevedo said...

"Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade"

Carlos Drummond de Andrade

Só queria saber desenhar metade do que tu desenhar!